sábado, 9 de janeiro de 2016

O ELOGIO DAS PAUSAS - II

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A terra, preparada há já alguns dias, aguardava pela sementeira das favas, das ervilhas e dos alhos, mas o tempo parecia não querer ajudar. Lembrou-se, eterna imagem, do constante olhar dos agricultores para os céus, cientes do capricho dos deuses no desenhar de cenários. 
As sementes, contudo, estavam a postos, a par da vontade. E, a despeito da ameaça cinzenta, os regos foram-se abrindo, as sementes foram-se alojando. Um ou outro pingo não desmoralizava, apenas fazia aumentar o ritmo. Desta vez não havia tempo para olhares circundantes, os sentidos cingiam-se à tarefa. Rego aberto, estrume, ervilhas. Tapar rego, com a terra com que se abria outro. Mais estrume, mais ervilhas. 
A cadência aumentava, estimulada pelos pingos soltos, anunciadores do que estava para vir. De vez em quando, com a indisposição dos avisos, era mesmo preciso parar. Até os pardais, sempre presentes, se ausentaram para poiso seguro. Eram o mais fiável sinal, a borrasca estava quase a chegar.
Nova pausa na chuva, o insistir na tarefa. A mesma cadência, o mesmo ritual, desta vez com as favas. Abre-se um rego, dois, três... Quando as sementes chegam ao fim, a chuva instala-se, de vez. Ainda se alisa um pouco a terra, mas não há tempo para mais. Com os alhos na mão, em modo de espera, há que correr, e bem, as ferramentas ficam para mais tarde. Apesar de, por vezes, se confundirem, sabia bem que perseverança não rimava com teimosia.
Já no alpendre, no ritual do descalçar das botas, chegam-lhe sinais de casa. A lareira, crepitante, é o cenário ideal para destilar sorrisos no balanço da azáfama.
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35 comentários:

  1. Mais um texto maravilhoso... ao ritmo da vida do campo... com as suas incertezas, dependo da vontade do tempo... e com as suas maravilhosas compensações...
    Adorei! Beijinho!
    Bom domingo!
    Ana

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  2. E depois dessa azafama deve saber mesmo bem o aconchego do lar.
    Bom fim de semana
    Um abraço
    Maria

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  3. Maravilhosa pausa! Momento para desfrutar dos afectos...e do repouso ....

    Beijinho AC :-)

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  4. E que pausa refrescante depois da azáfama. É tão bom respirar essa atmosfera do campo tão bem apreendida pela tua pena. É possível sentir o cheiro da terra molhada...

    Forte abraço, AC

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  5. E como sabem bem esses sinais, abençoados, que chegam do conforto de casa, através do fumo que sai da chaminé e do som crepitante da lenha a arder na lareira, AC!
    São essas pausas que revigoram e renovam a vontade de voltar a persistir na sementeira...:)

    (por vezes a chuva é tanta que alaga a terra e deixa as ervilhas, as favas e as batatas, a boiar )

    Beijinhos!

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  6. Pausas, chamamentos que temos de seguir apesar da perseverança. A teimosia pode esperar. Beijinho AC

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  7. Já tinha gostado muito do primeiro e gostei muito agora do segundo, de como está escrito, de como nos faz ver o que está escrito.
    um beijinho e um bom Domingo
    Gábi

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  8. Sabe-me bem lê-lo, AC, porque me lembra da minha infância!
    Este ano, com tanta chuva, acho que os agricultores só se podem queixar de excesso...
    Beijinhos, bom domingo!

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  9. Oi, A. C., a poesia do cotidiano, encontrar encanto nas tarefas em comunhão com a terra e a vida nela produzida e ainda um texto elaborado com precisão do intelecto...a poesia inserida no contexto.
    perfeito!
    Um abraço

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  10. Independentemente da chuva e do rigor do climático do tempo, a alma de quem produz vida está sempre aquecida. Mas no fim da lavoura, aquecer o corpo no crepitar das labaredas à lareira, é que nem a cereja no topo do bolo.
    Já lhe disse, e repito, que "inveja" :)
    Fica um beijo com estima e amizade.

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  11. Um texto muito bom. Uma recordação a saltar da gaveta das memórias. A lembrança de outros tempos, o trabalho do meu pai, o seu sorriso quando acabava a tarefa, tudo o seu texto me trouxe de volta.
    Obrigado por isso.
    Um abraço e bom domingo.

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  12. Memórias que sempre vêm à tona... em momentos o mais apropriado possível...
    Um beijo.

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  13. Este texto podia fazer parte de um manual de bem cultivar. Não serei eu a ter o proveito da colheita e a regalar-me com as ervilhas e as favas, mas posso já afiançar que, sem sair do sofá, colhi já um enorme prazer ao ler este seu texto. Muito obrigada :)

    Um beijinho

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  14. Seus finais risonhos são sempre surpreendentes! Um beijo

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  15. Eu não semeio mas ainda tenho que o faça por mim e nem sei porque se antecipou assim já que habitualmente só se colhem na primavera, mas o certo é que ainda ontem cozinhei e comi umas ricas favas da lavra do meu pai. :)

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  16. Um texto que descreve bem a vida de agricultor e saboreia o aconchego do lar! Adorei e fez com que eu recuasse no tempo, nasci e cresci junto a sementeiras e em adulta cultivei. Janeiro é altura para semear ervilhas e favas.

    Boa semana AC e um beijinho.

    Adélia

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  17. É nesse "entretanto" que a terra respira
    entre dois passos no rego, em compasso binário,
    vem o crepitar caloroso da fogueira na lareira.
    Quem sente sabe.
    Boa semana, AC.

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  18. Para uma citadina como eu, esta pausas tão bem descritas, fazem-me ver o que perdemos na azáfama da cidade.

    Um beijinho grato

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  19. Terra-mãe - parte II e o elogio das pausas...é agradável ler esta prosa...
    Beijinho e boa semana!

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  20. AC

    Semear os campos, as hortas, é como semear o amor, precisa de cuidado e de esperança. Espalhar os grãos, cuidar com devoção, torcer que o tempo seja generoso para um dia ver nascer, sobreviver, colher e recomeçar o ciclo.

    Bjs

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  21. Um cenário bucólico que conheço muito bem.
    Boa semana

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  22. Oi AC bom dia!
    Como eu amo tudo isto! Gostaria de voltar no tempo...
    Voltando e te desejando um feliz e abençoado 2016!
    Abração!
    Mariangela

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  23. Uma encantadora descrição de um momento de sementeira, na pressa de conciliar o tempo favorável e o tempo do que se quer semear. Na verdade, os agricultores detêm mais sabedoria sobre esta matéria do que os académicos.
    Parabéns pelos teus "Elogios das Pausas".
    Bjo, amigo :)

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  24. Um texto maravilhoso. Chegou-me aqui o cheiro da terra regada pela chuva. Chegou-me aqui o cansaço dos braços de quem trabalha a terra. Chegou-me aqui o cheiro da lenha a crepitar na lareira...
    Um beijo.

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  25. ... e a "vida boa" (que não "boa vida") de que falava Aristóteles.

    excelente texto.

    abraço, meu amigo

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  26. um texto de quem sabe a terra e melhor altura para as sementeiras...

    :)

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  27. De repente voltei ao tempo em que vivi com os meus avós. Tudo no seu texto cheira ao meu avô. Até a lareira no final de mais um dia de trabalho cheira ao meu avô. Um homem da terra, um homem de palavra. Palavra que não necessitava de carimbos, nem de assinaturas para comprovar a sua veracidade.

    Para além desta segunda parte, também li a primeira parte do "Elogio das Pausas". Belo título por sinal.

    Tenha uma boa noite, AC :)

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  28. O amor pelo amanhar da terra...e a mesma a dizer que se deve fazer pausas! Gostei imenso!

    Abraços

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  29. a azafama que conheço e a chuva que interrompe..
    no final do dia... a lareira e as estorias...

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  30. Uma excelente descrição do que acontecia na lavoura, onde tudo era manual e feito, muitas vezes, com condições climatéricas adversas.
    AC, bom fim de semana.
    Abraço.

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  31. o ritual da sementeira...
    muito bem escrito.
    Um bom fim-de-semana.
    Beijo
    :)

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