sábado, 13 de março de 2010

O PRODUTO

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Após alguns contactos do patrono, Júlio foi contactado pela editora. Que gostavam do seu trabalho, que já tinham planos para ele. Que estivesse tranquilo, que eles tratariam de tudo.
Passado algum tempo, começaram a aparecer uns artigos em determinadas revistas acerca do livro de um novo escritor, catalogado como um lenço de cores sugestivas. O público registou.
No dia do lançamento acordou ansioso, preocupado com o decorar do papel que lhe tinham destinado. Chegou ao local vestido com as cores do lenço da sua imagem, procurando ir ao encontro dos possíveis transeuntes do seu imaginário. Na sala ia-se formando um ajuntamento considerável, correspondendo ao apelo do lenço. Dois assessores, especialistas em sinais de lenços, alimentavam a turba. Falaram da qualidade do lenço e da importância das suas cores. A multidão, sequiosa do novo produto, fez fila para almejar a assinatura do novo autor.
A aventura durou enquanto o produto vendeu. Tempos depois, as revistas falavam dum lenço com novas cores. Nunca mais ninguém ouviu falar do Júlio.
Entretanto, seguindo a tendência da voragem, as calotas polares derreteram mais um pouco...
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10 comentários:

  1. Que crítica tão mordaz numa metáfora colorida cheia de pertinência e actualidade.Quando comecei a ler, pensei que o júlio seria o narrador e que o desfecho seria outro- o anúncio do seu livro. Depois vi que me enganei(?????).Situações destas são tão comuns,que não estranharia.
    Continua cheio de veia!!!!

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  2. Parece simples mas deixas aqui várias pistas. Às vezes desespero com a forma como escreves, mas gosto da maneira como puxas pelos meus neurónios. E a última frase como quem não quer a coisa vai deixando rasto.
    Um abraço

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  3. Ibel, sei que às vezes a vida dá muitas voltas, mas a ideia do livro não é para ir para a frente. A questão foi levantada por um ou outro comentador, mas apenas isso. Decididamente, não estou para aí virado.

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  4. Jorge,
    A última frase parece fora de contexto, mas não. Ela está lá apenas para salientar que à nossa volta as coisas vão acontecendo, enquanto somos "conduzidos" para futilidades.
    Abraço

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  5. No (hiper)"mercado" do consumismo, os preços a pagar estão cada vez mais altos... para quem vende, para quem compra e mesmo para aqueles que preferem ficar indiferentes a todo este mar de "interesses".
    No (mini)"mercado" da vida, os preços parecem estar, cada vez mais, em queda...para quem não olha em volta, para quem olha mas não vê nada e mesmo para aqueles que preferem ficar indiferentes a todo este mar de "sentimentos".
    É apenas um desabafo, que fica registado até aparecer "um lenço com novas cores". :)

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  6. O acessório, nesta sociedade fútil e egoísta, sobrepõe-se, frequentemente, ao essecial. O Homem vale menos que as palavras, muitas vezes ocas, vazias, inúteis que, de tanto repetidas, parecem ser a substância. Os rótulos do marketing vendem imagens e ilusões mesmo que lhe falte o conteúdo. As pessoas mais preocupadas com o seu próprio umbigo do que com a sociedade de que fazem parte e perante a qual têm obrigações, são facilmente manipuláveis e influenciáveis. Não para trilhar caminhos difíceis mas para cairem no facilitismo que não acautela o futuro.
    Fala-se em vida estressante. Não confirmo nem desminto. Apenas me parece uma desculpa pouco consistente.
    Temos obrigações para com as novas gerações. Não nos podemos dar ao luxo de legar menos e de inferior qualidade, do que aquilo que recebemos. Cair no desinteresse do que é colectivo é o pior que nos pode acontecer. Este esbanjar do que é comum que um dia, mais cedo do que tarde, nos apresentará a factura que talvez não possamos pagar é um risco sério e premente.
    Mas o livro é preciso porque isso é que é fundamental para chegar a um maior número de consciências que se encontram, mais ou menos, adormecidas. Vamos a isto Agostinho. Vamos dar visibilidade ao Júlio em detrimento do lenço que use.
    Abraço
    Caldeira

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  7. JB,
    Os desabafos são necessários, pois pressupõem a percepção de algo. No contexto em questão, oxalá o desabafo fosse colectivo. Era sinal que estávamos prontos para uma virar de página...

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  8. Caldeira,
    Gosto muito dos teus comentários. Eles espelham a lucidez que rareia, o inconformismo de quem acredita em causas. E esta diz mesmo respeito a todos, por mais que se teime em virar a cabeça para o lado. Assobiar já não resulta, o tempo das segundas oportunidades já lá vai. E quanto mais se adia, mais dói, principalmente para as próximas gerações.

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  9. olá Sr prof. Permita-me dizer-lhe duas coisinhas. Na minha pobre maneira de interpretar os seus textos, compreendo - o e concordo sempre consigo, só que depois as minhas palavras não fluem da maneira mais apropriada para o expressar, (como já lhe disse num outro comentário, talvez no blog da Escola, como mudei de ocupação, empobreci e emburreci ):, mas adiante, é por isso mesmo que gosto de ler e reler o que escreve) subscrevo os comentários dos seus colegas, só não concordo quando diz que não está para aí virado, editá-los... então existem livros no mercado que "valha-me Deus" e os seus textos, poesias, não merecem ser editados? por favor, faça lá o esforço!!! Não é de hoje e sim de já algum que o noto "diferente", mas não é você mesmo que diz que "o que não se almeja hoje se alcança amanhã"?!desculpe lá a frontalidade mas, tinha que o dizer! CONTINUE E EDITE "ACREDITAR É CONSEGUIR".Os seus alunos vão agradecer-lhe, pode ter a certeza.:)

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  10. Ana Paula,
    Obrigado pelas palavras, sei que são sinceras.
    Um livro é uma coisa muito séria, que requer uma coisa que eu não tenho: tempo e disponibilidade. A minha profissão é muito absorvente e, como gosto dela, dou o que tenho e não tenho. E depois, inevitavelmente, vem um senhor chamado Cansaço bater-nos à porta para nos cobrar a factura, e não arreda pé enquanto não chegam as merecidas férias. Além disso todos sabemos que a escrita necessita, no mínimo, de um cérebro bem oxigenado. Espero que me compreenda. :)

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